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Negociação – LOGOS

Prof. Dr. Predrag Pancevski

Consideremos o seguinte cenário (Roller, 2011):

Uma consumidora está comprando uma máquina fotográfica on-line e precisa de uma bolsa protetora para acondicioná-la. Em que circunstância ela estaria mais inclinada a comprar uma bolsa mais cara:

1 – Quando o site recomendar a compra da bolsa, por ocasião da compra da máquina fotográfica

2 – Quando ela perceber que precisa de um estojo de proteção

3 – Nenhuma das respostas acima

A resposta correta é a 1. Se a consumidora estiver comprando uma máquina fotográfica cara, o custo da bolsa parecerá mínimo em relação ao custo da máquina fotográfica. Um estojo protetor de R$ 90 reais parecerá bem mais barato ao lado de uma máquina fotográfica de R$ 1.800 do que se for comparado com outros estojos comparáveis.

A ancoragem é uma das mais impressionantes influências no julgamento humano (Tvertsky & Kahneman, 1974). Ela serve como ponto de referência para as nossas comparações. No exemplo acima, a ancoragem é o preço de R$ 1.800 da máquina fotográfica.  Devido ao fato do preço da máquina fotográfica servir como ponto de referência, os R$ 90 da bolsa protetora parecem um ótimo negócio. Se os R$ 90 fossem o ponto de referência, o preço de R$ 1.800 da máquina fotográfica pareceria muito caro.

Um estudo interessante (English & Mussweiler, 2001) mostra que juízes experientes, com mais de 15 anos de vivência na função, foram influenciados pelas solicitações de pena feitas pelos promotores, até mesmo quando as solicitações eram feitas por profissionais que não eram experts. As conclusões do estudo são surpreendentes, já que a magnitude da influência (que eu denomino Eficácia da Ancoragem) foi dramática. Juízes que tiveram solicitação de penas elevadas (34 meses) deram sentenças finais que eram quase 8 meses mais longas do que juízes que tiveram solicitação de penas de penas baixas de 12 meses. Uma diferença de sentença de 8 meses a cumprir na prisão por um crime idêntico.

A força e a aplicabilidade genérica dos efeitos da ancoragem têm levado alguns pesquisadores a descrevê-los como um dos mais robustos efeitos em psicologia. (Chapman & Johnson, 2002). Os efeitos da ancoragem têm sido observados numa grande variedade de situações, incluindo os preços no setor imobiliário (Northcraft & Neale, 1987), sentenças criminais (Englich, Mussweiler & Strack, 2006), questões de cultura geral (Tversky & Kahneman, 1974) e acordos em negociações, sendo que esse último ponto é o foco do que será apresentado a seguir.

Em negociações, e principalmente em negociações comerciais, as primeiras ofertas podem influenciar o acordo final, porque servem como ancoras de referência que acabam “atraindo” o resultado final para a sua vizinhança (Galinsky & Mussweiler, 2001).

Quando estudamos Negociação, é importante que entendamos claramente a nomenclatura usada no contexto da literatura acadêmica. Os acrônimos e definições abaixo descritos foram todos desenvolvidos em Harvard, principalmente por Fisher & Ury, em 1976, e representam os conceitos fundamentais que devem ser assimilados e aplicados em qualquer negociação.

 

  • Reservation Price (também conhecido por Walk Away Price):

Este acrônimo pode ser traduzido como o pior preço aceitável, ou melhor ainda, o pior acordo aceitável numa negociação, já que nem toda negociação é comercial. De uma forma mais clara, podemos definir o RP como o limite que um negociador pode ceder numa negociação. Além desse ponto, é preferível abandonar a negociação do que continuar tentando um resultado. Assim sendo, o RP de um vendedor é o menor preço que ele aceitaria para vender um produto. O RP do comprador seria o preço máximo que ele pagaria pelo produto.

Exemplo: imaginemos uma entrevista de emprego. Tanto o candidato à vaga quanto o entrevistador que está oferecendo a vaga podem e devem definir os seus RP, que seriam os seus limites até onde poderiam ceder nessa negociação. Para o candidato, o RP seria o menor salário pelo qual ele aceitaria trabalhar, já para o empregador, o RP seria o mais alto salário que a empresa estaria disposta a remunerar.

Quando duas partes negociam, elas definem, de forma consciente ou não, os seus limites individuais (RPs), que acabam servindo como pontos de referência na negociação, como veremos adiante.

É de fundamental importância definir o Reservation Price antes de uma negociação. Ir para uma negociação sem ter definido previamente o seu RP é se sujeitar ao fator emocional. É frequente no processo negocial o uso de ferramentas psicológicas de influência e persuasão, muitas de grande poder emocional, e que acabam por convencer o negociador mal preparado a ceder, no calor da batalha, um acordo além do RP.

Um negociador experiente, entretanto, vai se preparar e definir o seu RP sempre antes da negociação. Naquele momento, estando sóbrio emocionalmente, ele será capaz de avaliar de forma objetiva até que ponto ele poderá ceder na negociação. Ou seja, com todas informações à mão, ele definirá o seu limite. Isso vai protege-lo contra manipulações emocionais e contra eventuais táticas adversas usadas pela outra parte.

Mas para que ele esteja realmente blindado, é imprescindível que ele seja coerente com a preparação, por ocasião da negociação. Mesmo que ele fique tentado de flexibilizar o seu RP, ele deve reconhecer que pode estar sob influência de metodologias psicológicas e, portanto, manter-se fiel ao valor pré-estabelecido do RP. Senão, um acordo fechado além do RP certamente trará arrependimento posterior.

 

  • ZOPA (Zone of Possible Agreement):

Indica o intervalo na negociação onde qualquer acordo é satisfatório para ambas as partes. Dependendo da localização do acordo na ZOPA, ele pode beneficiar mais uma parte do que a outra, mas o fato é que ambas as partes saem satisfeitas numa negociação onde o resultado final ficou dentro da ZOPA.

Tecnicamente falando, a Zopa é delimitada pelo Reservation Price de cada parte, formando a zona de possível acordo. Isso não quer dizer necessariamente que não poderia existir acordo fora da ZOPA, mas tal resultado é pouco frequente já que implica que uma das partes ultrapassou o seu RP, o que seria uma atitude irracional.

No exemplo anterior da entrevista de emprego, que serviu para ilustrar a determinação dos RPs do candidato e do entrevistador, esses dois valores definem as fronteiras da ZOPA dessa negociação.

  • BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement):

Normalmente, o RP de cada negociador está diretamente relacionado às suas opções no caso de não alcançar um acordo. A melhor alternativa ao acordo é chamada da BATNA, ou denominando de uma forma mais popular e eventualmente redundante, BATNA é o melhor plano B, se não conseguirmos o plano A. Usualmente, mas não necessariamente, é o BATNA do negociador que vai determinar o seu RP, que por sua vez determinará uma das fronteiras da ZOPA.

  • Ancoragem:

A colocação do primeiro valor ou da primeira oferta na mesa, logo no início da negociação, desde que essa proposta seja muito otimista para o negociador que a estiver apresentando, serve para estabelecer uma base de referência psicológica para a negociação, e comprovadamente atrair o acordo final para um valor próximo do valor ancorado.

A mente humana é falha em vários aspectos e muito influenciável por referências mais recentes ou informações mais disponíveis. Quando um primeiro valor é colocado na mesa, a sua influência subliminar é muito mais forte do que as propostas subsequentes, o que faz que a outra parte acabe pautando as suas escolhas e decisões tomando como base o valor arbitrariamente colocado por quem ancorou fazendo a primeira oferta.

Tomemos como exemplo a negociação entre o proprietário de um terreno e o jardineiro que irá capinar o mato crescido para plantar grama. A priori, a quantidade de trabalho necessária não está clara. Pode ser um mato de fácil remoção ou então cheio de raízes duras e resistentes. A empreitada poderá ser feita em 3 dias ou talvez demande uma semana inteira. Digamos que o valor para o acordo que o proprietário tem em mente seja de R$ 300 e o do jardineiro seja de R$ 500. A negociação se inicia com a ancoragem do jardineiro pedindo R$ 1.000. Esse ponto de referência faz com que a perspectiva do proprietário mude, e ele faz uma contraproposta de R$ 600, bem acima do que intentava oferecer inicialmente. Eles acabam fechando em R$ 800, que é a metade do intervalo entre a primeira proposta e a primeira contraproposta. Aliás, mais de 90% das barganhas se finalizam num acordo que é a metade do intervalo entre os primeiros dois valores colocados na mesa (com uma variação de até 15% para mais ou para menos). Ou seja, a influência da primeira proposta, que foi uma ancoragem, modificou a perspectiva da zona de negociação, deslocando-a a favor do negociador que ancorou (o jardineiro).

Vamos analisar mais detalhadamente a dinâmica desta negociação. Digamos que o RP do proprietário seja de R$ 800, e que o RP do jardineiro seja de R$ 200. Como vimos, neste caso a ZOPA será o intervalo delimitado pelo RP de cada lado, ou seja, entre R$ 200 e R$ 800. Teoricamente, seria de se esperar com 90% de probabilidade que o acordo final seja R$ 500 (metade do intervalo da ZOPA). Entretanto, como o jardineiro ancorou em R$ 1.000, influenciando a contraproposta do proprietário, “atraindo-a” para R$ 600, a ZOPA real da negociação foi deslocada, situando-se agora no intervalo entre R$ 600 a R$ 1.000, cuja metade é R$ 800, que foi, não por acaso, o resultado final da negociação.

No fundo, o que mais importa numa negociação de barganha, é a dinâmica da ZOPA, porque o acordo final será decorrente da própria. E a ancoragem é a principal ferramenta para deslocar a ZOPA a nosso favor. Para que a ancoragem tenha eficácia, o ponto de ancoragem deve se situar perto do RP da outra parte. De preferência, deve ficar além do RP. Mesmo sabendo que esse ponto otimista não pode ser alcançado, já que a outra parte não cederia além do seu RP, ancorar excedendo o RP da outra parte desloca com mais eficácia a ZOPA, e consequentemente traz um resultado mais favorável. Mas cuidado, se a ancoragem se situar muito longe da ZOPA, o negociador perde a sua credibilidade e não haverá acordo! No exemplo citado, imaginemos que o jardineiro faça a primeira proposta pedindo

R$ 5.000. Provavelmente o proprietário do terreno iria dispensá-lo sem nem tentar negociar, convencido de que o jardineiro não está agindo de boa-fé.

O problema é definir objetivamente o que se constitui num ponto “longe” da ZOPA. Hoje ainda não tem estudos acadêmicos que tenham concluído o que se constitui num ponto ótimo de ancoragem e a partir de que distância da ZOPA a ancoragem seria excessiva, com perda de credibilidade e consequentemente, de eficácia como ferramenta psicológica. Portanto, por enquanto, a melhor forma de ancorar é se guiar pela sua experiência e bom senso.

Há uma outra condição muito importante para que a ancoragem seja aplicável: deve haver assimetria de informações. Em outras palavras isso quer dizer que o valor do que está em negociação não pode estar bem definido, bem claro para as partes (pelo menos não para a parte sobre a qual está se aplicando a ancoragem). Quanto mais incerto o valor, mais a ancoragem é eficaz. Por exemplo, na negociação de uma obra de arte, onde a percepção do valor pode variar enormemente, a ancoragem se aplica perfeitamente. Por outro lado, na negociação de uma commodity, cujo valor é bem definido pela bolsa, a ancoragem não se aplica, já que as partes sabem exatamente o valor que estão negociando.

 

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